sábado, 30 de abril de 2011

1984: a política em campo

Último presidente militar do Brasil, o general João Baptista Figueiredo tinha como hobby, além da criação de cavalos, o cooper no calçadão de São Conrado. Mas o hábito saudável não impediu um enfarto, e em 1983, após submeter-se a uma cirurgia nos Estados Unidos, Figueiredo retoma o exercício sob a supervisão de um preparador físico. Chamava-se Nazareno Tavares Barbosa, e fora indicado pelo empresário Ricardo Koury, que também era seu aluno.

Nazareno Tavares Barbosa

Aos vinte e seis anos, Nazareno vivia numa favela em Benfica. Ao se tornar próximo do presidente, viu a chance de tentar uma indicação para um emprego melhor. Dois anos antes, Figueiredo cedera ao Fluminense o terreno para o Centro de Treinamento de Xerém; agora, o general tricolor pedia uma vaga para o preparador físico.

O trânsito na política levou Nazareno a conhecer Paulo Maluf, que articulava sua candidatura à Presidência, tornando-se seu cabo eleitoral na área esportiva. “O negócio é o seguinte: ele vai fazer muito pelo futebol e pelo esporte amador”, dizia. “É isso que eu falo aos jogadores e parece que estou convencendo”.

Dois Paulos: Paulo Vítor, goleiro do Fluminense,
leva seu apoio a Maluf, na véspera da final. (Vidal Trindade/Jornal do Brasil)

A Taça Guanabara de 1984 foi disputada no dia 23 de setembro. Era um domingo, dia de Fla-Flu no Maracanã. Ninguém devia estar pensando em política, mas o estádio foi coberto pelas primeiras faixas contra Maluf (e a favor de Tancredo Neves, candidato da Aliança Democrática e das Diretas) logo no jogo preliminar, uma vitória de 2x1 dos juniores do Flamengo sobre o tricolor.

Na semana anterior, com o Fluminense de passagem por Brasília, Nazareno havia levado Washington, Branco, Jandir e Aldo para declarar apoio a Maluf. A visita obrigou o presidente do time, Manoel Schwartz, a afirmar que o clube não se misturava com política. Na véspera da final, o goleiro Paulo Vítor ignorou as palavras de Schwartz e foi encontrar o deputado na TV Manchete. Posaram abraçados para a foto. No mesmo dia, a Garra Tricolor protestava com uma faixa em Laranjeiras: “Tancredo é a solução”. Na Gávea, torcedores anunciavam a criação da Fla-Tancredo.

O Flamengo entrou em campo conduzido por Zagalo, querendo a revanche do Carioca de 1983. Em menos de um ano, o rubro-negro tinha perdido Zico e Júnior para o futebol italiano; agora, contava com Andrade e Bebeto. E estreava o argentino Ubaldo Fillol, goleiro da seleção argentina em 1978 e 1982. Na Celeste, Fillol ganhara a fama de goleiro frio: uma verdadeira muralha.

Do lado do Fluminense, quem se apresentava era o meia paraguaio Romerito, encantado em participar do clássico, como contou ao Jornal do Brasil: "Desde garoto sei que o Fla-Flu é uma loucura. A gente ouvia nos rádios, lia nos jornais e dava até na televisão". As Laranjeiras viviam os últimos anos de glória da Máquina Tricolor: Assis e Washington, o Casal 20, estavam em plena forma.

O campeão Flamengo, na foto oficial.

O jogo começa com o rubro-negro pressionando. Com apenas dois minutos, Nunes cabeceia, mas Paulo Vítor joga para escanteio. Aos vinte o zagueiro Duílio, do Fluminense, jura que o juiz marcou uma falta – e pega a bola com a mão. Agora, sim, o árbitro José Roberto Wright apita: Tita bate a falta e Adílio cabeceia. Flamengo 1, Fluminense 0.

Vem o intervalo e a torcida organizada revela a faixa inteira: “Maluf não, Tancredo é a solução”. Do outro lado do anel, a provocação: “O Fla não malufou”. A Falange Rubro-Negra distribui fitinhas amarelas, símbolo das Diretas Já.

Romerito arrisca um gol logo no início do segundo tempo, mas a bola vai para fora. O Fluminense não ataca: Fillol faz uma única defesa no jogo inteiro. O Flamengo leva o título sem esforço. O escrete tricolor sai de cabeça baixa, sob os gritos da Força Flu: “ão, ão, ão, Maluf é corrupção”.

Eles estavam certos. Após o envolvimento com Paulo Maluf, Nazareno – vulgo “Professor” – intermediou com uma facção criminosa a campanha nas favelas do candidato ao Governo Moreira Franco, que se elegeu em 1986. Em 1988, foi preso armado e dirigindo um Monza roubado; em 1990, planejou o sequestro do empresário Roberto Medina, explicando para a polícia que precisava do dinheiro do resgate para financiar sua candidatura a deputado estadual. Foi morto em 1997, a tiros, dentro de um carro.

Um dia antes do jogo, Maluf arriscou: 2x1 Fluminense. Tancredo também deu palpite – 3x1 Flamengo. Os dois erraram. Em 1985, Tancredo derrota Maluf, tornando-se o último presidente eleito pelo Colégio Eleitoral. Faleceu antes de tomar posse, deixando o cargo para José Sarney.

A derrota na Taça Guanabara não impediu o Fluminense de levar o Campeonato Carioca, numa vitória de 1x0 sobre o Flamengo, e fazer a primeira final do Brasileiro decidida entre dois clubes cariocas. Também ganhou de 1x0, desta vez contra o Vasco, com gol de Romerito.

A Taça Guanabara foi o único título conquistado pelo Flamengo em 1984.


FICHA TÉCNICA:

Flamengo 1 x 0 Fluminense
Local: Maracanã
Público: 99.898 pagantes
Árbitro: José Roberto Wright
Gols: Adílio (20')
Flamengo: Fillol, Jorginho, Leandro, Mozer e Adalberto; Andrade, Élder e Tita;
Bebeto, Nunes e Adílio. Técnico: Zagalo.
Fluminense: Paulo Vítor, Aldo, Duílio, Ricardo e Branco; Jandir, Delei e Assis;
Romerito, Washington e Tato. Técnico: Luís Henrique.


Por Angelo Cuissi

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